segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Parece estar na moda, sobretudo nos meios ditos espirituais, falar de Tolerância, Amor Incondicional e outras atitudes e modos de ser com nomes também interessantes.
Tem-me acontecido, repetidamente, ser acusada de não ser amorosa, não ser tolerante, ser arrogante e, afinal, não ser nada espiritual. Este blog não é sobre mim, mas gostava de dizer algumas coisas sobre este assunto.
A primeira coisa que quero dizer é que…. nem sempre sou amorosa, nem sempre sou tolerante, ás vezes sou arrogante e não sei se sou espiritual porque nem sei o que as pessoas entendem por espiritualidade.
A segunda coisa que quero dizer é que, tirando uma ou duas excepções, não conheço ninguém que seja sempre amoroso, que seja sempre tolerante, que não seja, volta e meia, arrogante e que pratique, de verdade, a sua espiritualidade.
A terceira coisa que quero dizer é que conheço muita gente que aderiu a certas correntes filosóficas novas que parecem multiplicar-se por geração espontanea tal a facilidade e quantidade com que aparecem.
Estas correntes novas têm, quase todas, uma particularidade muito curiosa em comum: vêm trazer a boa nova de uma nova humanidade com uma nova forma de pensar e ser, uma nova atitude perante a vida, onde as regras impostas pelas antigas tradições ficaram absoletas; a outra coisa que todas elas têm em comum – e eu acho isso muito estranho – é que, depois de negarem essas tradições antigas, usam na sua linguagem certas palavras dessas mesmas tradições, usam frases atribuídas a esses mestres antigos e, depois de uma operação plástica muito bem feita, usam as mesmas técnicas de desenvolvimento dessas tradições. Ou seja, parece que alguém precisou de protagonismo, de ser Mestre a qualquer custo e, à falta de trabalho de descobrimento interior, mudou as vestes a uma qualquer tradição antiga e proclamou ao mundo a sua nova descoberta.

Curiosamente, o mundo rendeu-se a estes Mestres. E agora, o Amor entrou na moda, assim como os chakras, a kundalini, o aqui e agora, a meditação, o ego, o karma, as vidas passadas, o reiki (e todas as outras formas de transmissão de energia), os seres de luz, os avatares, o chaneling, a espiritualidade, a compaixão, a felicidade, a lei da atracção, mantras, incenso, estátuas de budhas, de Ganesha, de Shiva, o Om, cristais, símbolos, rituais, o calendário maia, o êstase do shamanismo, budismo, yoga, chi kung, o corpo astral e os outros todos. Esqueci-me de alguma? Ufa, que até cansa!

E quando alguém vem ter comigo e me tenta “converter” à boa nova eu acho que tenho todo o direito de questionar tanto a pessoa como a sua filosofia. Será que devo aceitar seja o que for sem questionar o seu mensageiro? Sem questionar o fundamento na qual toda a sua crença/filosofia se baseia? Desculpem-me, mas não sigo algo apenas porque é encantador, porque promete uma vida cheia de riquezas e felicidade ou, pior ainda, porque toda a gente o está a fazer; chamem-me negativa ou intolerante as vezes que quiserem mas não perco sequer tempo com alguma forma de pensamento que me prometa o paraíso sem que eu tenha de trabalhar árduamente, sem que eu tenha de remexer profundamente no que se esconde dentro de mim, sem me dasafiar para lá do que eu suporte, sem que me quebre e me parta aos bocados. Qualquer nova corrente que me venha com grandes conversas sobre felicidade imediata e muito Amor e muita tolerância e muitos abraços e muitos sorrisos assim, de um dia para o outro basta que eu repita tudo isso várias vezes ao dia, põem-me logo desconfiada. Desculpem mas não sirvo para papagaio. E eu quero libertar-me do ego, não fortalecê-lo atravês de uma canção de embalar hipnotizante como é repetir, ad nausea, uma frase que dê poder á minha mente, ou seja, ao meu ego. Eu quero algo maior do que eu, que me desafie sem descanso até eu desistir e entregue o ego e a arrogância de que EU é que sei o que é bom para mim; de que eu sei mais do que o Ser – seja ele quem ou o que for – que sustenta e me dá Vida . Se a lei da atracção fosse – como afirma o livro O Segredo – a mais poderosa lei do Universo estavamos todos milionários (viva a verdadeira espiritualidade!) todas a viver um maravilhoso romance com o Brad Pit, todos em mansões sem trabalhar, etc, etc. cada infantilidade maior do que a outra. Nunca tinha visto maior golpe de marketing do que este Segredo desde, talvez, a campanha verdadeiramente eficaz da Igreja durante a Inquisição. A mentira é tão grande e tão descarada que começa por afirmar que ninguém ainda o tinha contado; fizeram mal a pesquisa pois Gautama, o Budha histórico, disse há mais de 2500 anos isso mesmo: “tudo o que somos é fruto de tudo o que pensamos”. Se, como afirma a autora do livro, isso era exclusivo de apenas meia dúzia é porque os outros nem se deram ao trabalho de ouvir! E isso nem era novidade nenhuma mas algo bem conhecido dos Vedas. Mas o golpe de marketing é genial: convencer as pessoas que lhes estamos a revelar um segredo só para elas - “O Segredo foi criado para si”. Quem são, afinal, os 3 primeiros “mestres” apresentados neste livro tão imensamente espiritual? Bob Procter .. “o Segredo dá-lhe tudo o que deseja: felicidade, saúde e riqueza”; Dr Joe Vitale …. Especialista em Marketing; e John Assaraf .. Especialista em criar riqueza”. Se isto é espiritualidade no seu melhor, ainda bem que não sou nada espiritual!

E sim, não sou nada tolerante com gente que anda a aldrabar os outros nem com pessoas que me tentam converter a formas de pensamento que elas próprias não se deram ao trabalho de investigar nem muito menos de praticar. Não só não sou tolerante como as combato entusiasticamente. Só para dar dois exemplos: há algum tempo conheci uma pessoa que me deu logo o seu cartão de terapeuta. Nele podia ler-se todas as formas de terapia que ela usava sendo que uma delas era “alinhamento dos chakras”. Quando lhe perguntei onde ficavam os chakras ela respondeu que ficavam na frente do corpo; isto é o erro mais comum sobre os chakras (ou melhor um dos, porque são tantos). Porquê este erro? Porque a representação esquemática dos chakras os mostram na frente do corpo; isto é assim apenas para facilitar a sua visualização no esquema. Na verdade os chakras, sendo rodas (é essa a única tradução da palavra sânscrita) não podiam sequer funcionar como aparecem nos esquemas, ou seja, virados para nós. Eles são pontos invisíveis que giram como um disco paralelos ao chão e se situam dentro da coluna vertebral, que fica, como é óbvio, na parte de trás do corpo. Se esta pessoa nem sabia onde ficavam os chakras como podia ela pretender alinha-los e, segundo o que ela proclamava, curar uma série de doenças? E de onde surgiu esta ideia de que os chakras podem estar desalinhados??????? Alguém se deu ao trabalho de fazer um estudo sério sobre o assunto? O outro exemplo tem a ver com um amigo que foi fazer um curso de cura com as taças tibetanas. Antes de partir para o curso, esta pessoa distribuiu panfletos onde se lia que, a partir da próxima semana, “eu fulano de tal estou disponível para consultas para a cura das seguintes doenças; seguia-se a lista (enorme) e o preço. Ou seja, antes de tirar o curso (se se pode chamar curso a um workshop de dois dias!!! ) ele já tinha a garantia que tinha jeito e experiência para curar tudo e todos.Qual não foi o meu espanto, arranjou logo clientes para várias semanas! E nem sequer importa saber que, os tibetanos que usam estas taças há vários séculos, nunca as usam para fazer qualquer tipo de cura tendo esta “descoberta” sido feita por um alemão. Pergunto-me porque será que os tibetanos, que conhecem os mecanismos de funcionamento da energia como ninguém, nunca o fizeram…..
Se aceitarmos tudo em nome de uma tolerância vazia e em nome de um Amor ainda mais vazio e falso, estaremos a convidar a mediocridade, a falsidade e a hipocrisia como formas aceitáveis de Vida. Não contem comigo nessa tarefa. E se uma dessas novas formas de pensamento é verdadeira e pode, de facto, fazer a diferença, então não há nada nem ninguém que a possa pôr para baixo; pode ser questionada por qualquer pessoa, de qualquer maneira sem cerimónia, sem Amor, sem Tolerância; nada a pode afectar, nada a pode destruir. Agora, as nossas inseguranças, a nossa incapacidade de praticar aquilo a que tentamos converter os outros, a nossa falta de persistência num caminho e numa prática e o nosso desconhecimento quase total por aquilo que tanto defendemos como a Verdade isso sim, pode ficar exposto apenas com algumas perguntas. Não é intolerância nem é arrogância, é Amor à Verdade. Porque será que isso chateia tanta gente?

É verdade, tenho muito que aprender sobre como ser mais amorosa e como ser mais tolerante. E daí? Pelo menos não comecei sendo hipócrita e tentando convencer os outros que sou o ser mais amoroso do mundo e atribuíndo a culpa aos outros quando não o sou. Alguém que eu conheço diz muitas vezes “eu amo a todos incondicionalmente mas as pessoas são más e fazem com que eu também seja má”. Pois….

Tenham um bom mês de Fevereiro e um bom resto de Inverno
Atimati